sábado, 21 de junho de 2008

Uso insustentável da água


O mundo está criando uma economia
de bolha alimentar baseada
no uso insustentável da água


Dia 5 de junho, a ONU comemorou o Dia Internacional da Água.
Em 2004, as comemorações tiveram como tema "Água:
2 bilhões de pessoas estão morrendo por ela".
Como contribuição para este tema,
estamos divulgando o artigo abaixo.


Em 16 de março de 2003, cerca de 10.000 participantes se reunirão no Japão, no terceiro Fórum Mundial da Água, para discutir as perspectivas mundiais da água. Embora os debates oficiais venham a enfocar a escassez hídrica, indiretamente estarão tratando da escassez alimentar, uma vez que 70% da água que desviamos dos rios ou bombeamos do subsolo, são utilizados para irrigação.

À medida que a demanda hídrica triplicou durante o último meio século, suplantou a produção sustentável de aqüíferos em dezenas de países, provocando a queda de lençóis freáticos. Na verdade, os governos estão atendendo à demanda crescente de alimentos com a extração excessiva de água subterrânea, uma ação que, praticamente, garante a queda de produção de alimentos quando o aqüífero estiver exaurido. Conscientemente ou não, os governos estão criando uma economia de “bolha alimentar.”

À medida que o consumo de água aumenta, o mundo se expõe a um gigantesco déficit hídrico em grande parte invisível, historicamente recente, que cresce aceleradamente. Uma vez que a iminente catástrofe hídrica se traduz na queda de lençóis freáticos, não é visível. O declínio dos lençóis freáticos, freqüentemente, só é descoberto quando os poços secam.

Quando a demanda pela água ultrapassa a produção sustentável de um aqüífero, o descompasso entre os dois aumenta a cada ano. No primeiro ano em que a linha é cruzada, o lençol freático cai muito pouco, com um declínio quase imperceptível. Entretanto, a cada ano seguinte, a queda anual é superior ao ano anterior.

As bombas a diesel ou elétricas que permitem a extração excessiva foram disponibilizadas mundialmente, aproximadamente ao mesmo tempo. A quase simultânea exaustão de aqüíferos significa que as reduções nas colheitas de grãos ocorrerão em muitos países mais ou menos na mesma época. E isto quando a população mundial cresce em mais de 70 milhões de pessoas, anualmente.

Os aqüíferos estão sendo exauridos em dezenas de países, inclusive na China, na Índia e nos Estados Unidos, que, conjuntamente, colhem metade dos grãos mundiais. Sob a planície norte da China, que produz mais da metade do trigo e um terço do milho chinês, a queda anual do lençol freático aumentou de uma média de 1,5 metros, há uma década, para 3 metros, hoje. O bombeamento excessivo já exauriu, em grande parte, o aqüífero raso e, assim, o volume de água que pode ser bombeada anualmente se restringe à recarga anual das chuvas. Isto está forçando a perfuração do aqüífero profundo da região, o qual, infelizmente, não é recarregável.

He Quincheng, diretor do Instituto Geológico de Monitoração Ambiental em Beijing, observa que à medida que o aqüífero profundo sob a planície norte da China se exaure, a região perde sua última reserva hídrica – seu único recurso de segurança. Sua preocupação é espelhada num relatório do Banco Mundial: “Dados empíricos indicam que poços profundos (perfurados) em torno de Beijing, hoje, precisam atingir 1.000 metros para alcançar água doce, aumentando dramaticamente o custo do abastecimento.” Em termos fortes, algo raro para o Banco, o relatório prevê “conseqüências catastróficas para as gerações futuras” caso o uso e abastecimento da água não sejam rapidamente colocados em equilíbrio.

A Índia, hoje com uma população de 1 bilhão, está extraindo excessivamente os aqüíferos em vários estados, inclusive Punjab (o celeiro do país), Haryana, Gujarat, Rajasthan, Andhra Pradesh e Tamil Nadu. Os últimos dados indicam que, sob o Punjab e Haryana, os lençóis freáticos estão caindo a uma taxa de 1 metro por ano. David Seckler, ex-diretor do Instituto Internacional de Gestão Hídrica, estima que a exaustão dos aqüíferos poderá reduzir a colheita de grãos na Índia em um quinto.

Nos Estados Unidos, os lençóis subterrâneos caíram mais de 30 metros em partes do Texas, Oklahoma e Kansas – três dos principais estados produtores de grãos. Conseqüentemente, os poços estão secando em milhares de fazendas no sul de Great Plains.

O Paquistão, uma nação com 140 milhões de habitantes que ainda cresce a um ritmo de 4 milhões por ano, também exaure seus aqüíferos. Na parte paquistanesa da planície fértil do Punjab, a queda do lençol freático é aparentemente semelhante à da Índia. Na província de Baiuchistan, uma região mais árida, o lençol freático em torno da capital, Quetta, está se reduzindo a um ritmo de 3,5 metros anuais. Richard Garstang, especialista hídrico do Fundo Mundial para a Natureza, diz que “dentro de 15 anos Quetta ficará sem água, caso o ritmo de consumo atual continue.”

No Iêmen, o lençol freático está caindo cerca de 2 metros ao ano. Em sua busca por socorro, o Governo do Iêmen perfurou poços experimentais na bacia do Sana’a, onde está localizada a capital, com 2 quilômetros de profundidade – níveis normalmente associados à indústria petrolífera – não conseguindo encontrar água. Com uma população de 19 milhões, crescendo a um ritmo de 3,3% ao ano, uma das maiores taxas do mundo, e lençóis freáticos caindo por toda a parte, o Iêmen está rapidamente atingindo um estado hidrológico desesperador. Christopher Wards, do Banco Mundial, observa que “a água subterrânea está sendo extraída num ritmo tal que setores da economia rural poderão desaparecer dentro de uma geração.”

No México — com uma população de 104 milhões, projetada a atingir 150 milhões até 2050 — a demanda pela água está excedendo a oferta. No estado agrícola de Guanajuato, por exemplo, o lençol freático está caindo 2 metros, ou mais, ao ano. Em nível nacional, 52% de toda a água extraída do subsolo vêm de aqüíferos bombeados excessivamente.

A escassez hídrica, outrora uma questão local, hoje atravessa fronteiras internacionais por meio do comércio internacional de grãos. Por exigir mil toneladas de água para produzir uma tonelada de grãos, sua importação é a forma mais eficiente de importar água. Países pressionados ao limite de sua disponibilidade hídrica, satisfazem a demanda crescente das cidades e das indústrias, desviando a água de irrigação da agricultura e importando grãos para compensar a perda de capacidade produtiva. À medida que o déficit se intensifica, também aumenta a competição pelos grãos nos mercados mundiais. De certa forma, a negociação nos mercados futuros de grãos é o mesmo que negociar no futuro da água.

Na China, uma combinação de exaustão de aqüíferos, desvio de água de irrigação para as cidades e menores preços mínimos para os grãos, está encolhendo a safra de grãos. Após atingir o pico de 392 milhões de toneladas em 1998, a colheita caiu para 346 milhões de toneladas, em 2002. A bolha alimentar da China está prestes a romper. Compensou o déficit de grãos durante três anos, por meio da redução de seus estoques, mas brevemente terá que se voltar para os mercados mundiais para cobrir este déficit. Quando o fizer, poderá desestabilizar os mercados internacionais de grãos.

Embora alguns países já tenham obtido ganhos significativos no aumento da eficiência de irrigação e reciclagem da água servida urbana, a resposta costumeira à escassez hídrica tem sido construir mais barragens ou perfurar mais poços. Mas, hoje, ampliar a oferta está cada vez mais difícil. A única opção é reduzir a demanda pela estabilização populacional e elevar a produtividade hídrica. Com quase todas as 3 bilhões de pessoas que serão adicionadas à população mundial até 2050, nascendo nos países em desenvolvimento, onde a água já é escassa, atingir um equilíbrio aceitável entre água e população poderá, agora, depender mais da estabilização populacional do que de qualquer outra ação.

O segundo passo na estabilização da situação da água é a elevação da produtividade hídrica, do mesmo modo que se elevou a produtividade agrícola. Após a II Guerra Mundial, com a população então projetada a dobrar até 2000, e com pouca terra nova para ser cultivada, o mundo lançou-se num gigantesco esforço para elevar a produtividade das terras cultivadas. Como resultado, esta produtividade quase triplicou entre 1950 e 2000. Chegou a hora de ver o que poderemos fazer com a água.

Lester Brown é fundador do WWI-Worldwatch Institute e do EPI-Earth Policy Institute.
Copyrights 2003. EPI-Earth Policy Institute / UMA-Universidade Livre da Mata Atlântica.

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